Por Lara Barsi e Ana Carolina Moraes* / Agência Nossa

Não fossem os programas sociais, o Brasil teria alcançado em 2020 as maiores proporções de pobreza e extrema pobreza da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) . Segundo dados da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais, divulgada nesta sexta-feira  32,1% da população do País estaria vivendo em situação de pobreza e 12,9% em situação de extrema pobreza.

Graças aos auxílios distribuídos em 2020, as proporções da população na pobreza no Brasil, segundo as linhas do Banco Mundial (US$5,50/dia), recuaram para 24,1% da população. Mesmo com a queda, o número continua expressivo: mais de 50 milhões, ou 1 em cada 4 brasileiros, viviam em situação de pobreza, com menos de R$450 por mês.

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Já a proporção vivendo em extrema pobreza, segundo as linhas do Banco Mundial (US$1,90/dia), caiu para 5,7%, ou seja, cerca de 12 milhões de pessoas viviam com menos de R$155 reais por mês em 2020.

“A linha da pobreza naturalmente é maior sem os benefícios para ambas [linha de extrema pobreza e de pobreza]. E ela [a diferença entre as taxas de pobreza e extrema pobreza, com programas sociais e sem programas sociais] oscilou em torno de dois a três por cento até 2019, mostrando a magnitude da eficácia para retirada da pobreza e da extrema pobreza dos programas sociais”, afirma o gerente de pesquisa do IBGE, João Hallak Neto.

Pobreza entre pretos dobra

As disparidades entre brancos e pretos; homens e mulheres são escancaradas pela pesquisa do IBGE.

A situação de pobreza atingiu a população preta e parda com muito mais força do que a população branca. As taxas de pobreza entre pretos e pardos eram de 31%, enquanto a de brancos era de 15,1%, ou seja, menos que a metade. Mulheres pretas e pardas tinham as maiores incidências de pobreza (31,9%), indicando que uma em cada três mulheres pretas ou pardas vive em situação de pobreza.

A advogada Mariana Alcântara recebeu na pandemia o auxílio emergencial do governo por ser autônoma e ter perdido renda, com o marido empregado. O pequeno Emanuel, integra a família.

“Graças a Deus, tenho o auxílio, mas não é a única fonte de renda da nossa família, então, em termos de auxílio, é uma ajuda mesmo, que tem sido um grande alívio para nós”, contou ela.

Rendimento cai mesmo com auxílio

O auxílio livrou a família de Mariana da pobreza, mas não dos sacrifícios no orçamento. A família teve de cortar consumo de determinados produtos, assim como fez o vendedor  Vanderson Santos.

“Aqui em casa estamos sem comer carne desde março de 2020, no início da pandemia da Covid-19. Sinto falta”, conta ele.

Sem os benefícios governamentais, o rendimento da população mais pobre chegaria a cair 75,9% em 2020. Já na parcela com os maiores rendimentos, quase não haveria variação com ou sem benefícios.

Durante a pandemia da Covid-19, o governo implantou, em abril de 2020, o Auxílio Emergencial, com o objetivo de dar até R$ 600 para trabalhadores informais e de renda baixa no país. Até o fim de 2020, 67,9 milhões de brasileiros foram beneficiados pelo auxílio. O programa foi fundamental para manter diversos domicílios com algum tipo de renda após serem prejudicados com a pandemia.

Benefícios diminuem a desigualdade

“A desigualdade presente na sociedade brasileira mostra que os 10% com rendimentos mais altos se apropriam de mais 40% de toda a renda domiciliar, enquanto os 10% da parte inferior da distribuição se apropriam em torno de 1%. E esse 1% é graças aos benefícios, senão esses valores seriam menores. Então a gente já parte para o efeito da existência dos benefícios de programas sociais, que aumentam a proporção do rendimento para os décimos inferiores, alterando os indicadores de desigualdade”, disse o gerente de pesquisa do IBGE, João Hallak Neto.

Sem os benefícios concedidos pelos programas sociais, a desigualdade aumentaria no País. De 2019 para 2020, o Índice de Gini, instrumento que aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos, passaria de 0,560 para 0,573, uma alta de 2,3%. No entanto, com os benefícios, houve uma queda de 3,7% na desigualdade (de 0,544 para 0,524).

Família contente com o auxílio emergencial.

Foto: arquivo pessoal

“Sem os benefícios o Índice de Gini seria maior, indicando mais desigualdade.E a existência dos benefícios o faz menor, indicando uma desigualdade menor. Então um programa novo, abrangente e com valor relativamente alto em relação aos benefícios sociais que eram pagos traz uma redução do índice e ele atinge o menor nível observado, que apareceu pela última vez em 2015”, explica o gerente do IBGE, João Hallak Neto.

No Nordeste, sem os benefícios, o índice de Gini aumentaria 4,5%, passando de 0,598 em 2019 para 0,625 em 2020. Com os benefícios, o índice caiu 6,1% (de 0,560 para 0,526).

Já o índice de Palma mostrou que, em 2020, os 10% com maiores rendimentos se apropriaram 3,71 vezes mais do rendimento total do que os 40% com os menores rendimentos. Sem os benefícios sociais, a desigualdade seria ainda maior, com o valor do índice chegando a 5,39 vezes.

População ocupada cai em todos os setores

Com a pandemia, a população ocupada sofreu com uma redução de 8,3 milhões de pessoas em 2020. Essa foi a menor taxa da série desde 2012. Com isso, o nível de ocupação alcançou apenas a porcentagem de 51%, ou seja, quase metade da população em idade de trabalho ou estava desocupada ou fora da força de trabalho. O setor de serviços foi o mais afetado, em especial alojamento e alimentação, serviço doméstico e outros serviços.

“Apesar da queda de pessoas ocupadas ter sido generalizada, as atividades relacionadas ao grande setor de serviços foram as mais afetadas. Então esses resultados mostram o ano atípico que foi 2020. Crises anteriores afetaram mais a indústria, a agropecuária, a construção, mas essa de 2020 afetou vários setores, porém principalmente o setor de serviço, o que vai trazer impactos quando a gente analisa os grupos populacionais”, esclarece o gerente de pesquisa do IBGE.

Entre os jovens de 14 a 29 anos, o indicador de ocupação já era baixo em 2019 (49,4%), porém recuou ainda mais em 2020, caindo para 42,8%. O nível de ocupação das mulheres foi de 41,2%. Já o dos homens, 61,4%.

Na comparação com 2019, os efeitos da pandemia no mercado de trabalho afetaram mais os grupos vulneráveis e com menor escolaridade. Os contingentes de mulheres (-10,9%) e de pretos ou pardos (-10,5%) sofreram as maiores reduções nas ocupações, considerando todos os níveis de instrução. Houve também grande queda de pessoas ocupadas sem instrução ou com o ensino fundamental incompleto (-19,0%).

No total, a população ocupada preta ou parda (46,3 mi) é superior em 17% à população ocupada branca (39,5 mi). Mas essa diferença tem suas particularidades: a população de cor/raça preta ou parda predomina nas atividades com menor remuneração, como a agropecuária (60,7%), a construção (64,1%) e os serviços domésticos (65,3%), e na informalidade. E além de serem a maioria da população ocupada, também são a maioria dos subocupados por insuficiência de horas (64,5%).

A diferença na renda também marca a desigualdade de raça do País. Em média, a população ocupada branca tinha um rendimento/hora médio real do trabalho principal 69,5% maior que o da população preta ou parda em 2020. A desigualdade se mantém qualquer que seja o nível de instrução.

A comparação entre os ganhos por hora de homens e mulheres também mostra uma diferenciação. Para os homens, o rendimento era 12,6% maior do que o para as mulheres em 2020.

*Ana Carolina Moraes é estudante de Jornalismo da UFF sob coordenação da jornalista Larissa Morais

Edição de Sabrina Lorenzi